segunda-feira, 19 de maio de 2014

Um copo cheio de amores vazios

O amor vem até nós de diversas formas, mas nem sempre o sentimos da forma como ele chega. As vezes parece que nada acontece em nossa vida, que ficamos congelados no tempo, só a nossa idade avança, só o nosso relógio biológico caminha e parece mesmo que só a vida dos outros caminha.
Aqueles amores de verão, avassaladores, que tiram o fôlego, são carregados de momentos oportunos cheios de declarações  e de momentos inusitos que terminam, claro, da forma mais poética possível. A vida dos outros, como nos filmes, sempre chega até a nossa imaginação como um conto de fadas realizado, pronto e acabado. É como se a pessoa tivesse o privilégio de viver aquilo que a gente passa a vida sonhando.
Nos sentimos como formiguinhas construindo um castelo que ao por do sol vai se destruir com a chuva. No dia seguinte começamos tudo de novo, acreditando que desta vez vai dar certo, que agora é a hora do nosso reinado, finalmente.
Passamos nossa vida amorosa assim. Tudo começa com o primeiro romance. O primeiro amor parece ser único, você sente na pele a atração e o entusiasmo de cada encontro. Cada encontro é como se fosse o primeiro e o último. Cada lágrima que rola leva um pedaço de nós mesmos. É uma paixão ingênua que se perde no tempo, como a própria ingenuidade.
Depois vamos ficando mais egocêntricas, mais cheias de si, mais seguras do que não queremos no próximo relacionamento. Não queremos promessas tolas, queremos príncipes encantados.
O cavalo branco não chega com o segundo príncipe. Ele tem tantos atrativos e traz um relacionamento mais maduro que o primeiro. Mas será ele o príncipe encantado?
Buscamos mais, queremos tudo o que o conto de fadas prometeu. O cavalo branco, a armadura, o olhar apaixonado, as declarações em público e em privado, os encontros e o casamento e lua de mel de realeza. Depois, filhos fortes, saudáveis e lindos. Não cumprir este protocolo é uma ameaça a tudo o que fomos ensinadas a acreditar.
Mas os amores vão passando. Os príncipes vão virando sapos, as carruagens vão virando abóboras e vamos criando um jardim – entre sapos e abóboras-  de amores vazios.  Vai ficando mais difícil confiar, mais difícil se entregar, mais difícil conviver e compartilhar. O que começou com uma soma e virou multiplicação, vira divisão e subtração.
Mas quando é que o príncipe vai chegar? O relógio vai gritando tic tac, o seu tempo está acabando para cumprir o protocolo. Talvez tenha que pular etapas, talvez tenha que avançar sinais. Mas e o romantismo? Não vai se perder pelo caminho?
A busca pela perfeição vai ficando mais permissiva, vamos aceitando alguns defeitinhos básicos, entendendo que os príncipes devem ser assim mesmo, afinal nós princesas também também colecionamos uns defeitinhos, nada grave aos nossos olhos. Vamos esperando por príncipes menos príncipes.
Vamos pesando cada relacionamento como se eles fossem vazios, fossem perdas de tempo. mas se olharmos para trás vamos ver o quanto aprendemos. A importância da ingenuidade do primeiro olhar, da conquista do primeiro beijo, da confiança da primeira entrega, da maturidade do primeiro término, a culpa da primeira traição, o peso da indiferença na primeira rejeição, a imaturidade da primeira explosão emocional, o medo de perder o que parece certo, a coragem de trocar o certo pelo duvidoso. Nossas escolhas vão nos moldando, nos ensinando, nos tombando e levantando, vão enchendo o nosso copo e nos dando um porre de realidade.
Será que o que estou vendo é o que parece que é? Duvidamos de nós mesmos, então como não duvidar dos outros? Nós mesmos nos enganamos de propósito ou sem propósito tantas vezes. Vamos nós mesmos criando também barreiras na fabricação protocolar de nossa felicidade. Horas tentamos burocratizar o que sentimos, prometendo para nós mesmos que desta vez não vamos pular etapas. Será um jantar apenas, sem cama depois. Uma coisa de cada vez. O medo de se entregar antes que o outro se entregue é o rege toda a burocracia. Será que não nos entregamos porque não estamos prontas ou porque ele não é o certo para nós?

Mudamos o script várias vezes, , cada vez com um protagonista diferente.  Mudamos a ordem burocrática dos encontros, sexo antes ou só depois do casamento, antes ou só depois do terceiro encontro. Mudamos de roupa, penteado, de guarda-roupa, de casa, de país e as mesmas perguntas nos acompanham sempre, são perguntas cíclicas para uma vida com episódios cíclicos. Será que estamos prontas para ouvir nossas verdades? E o que há de novo no recorrente de nossas vidas? Nós mesmos.  Se não mudarmos tudo se repete. É como uma vez escutei, “para me tornar quem eu quero preciso abdicar de quem eu sou”. Um brinde a isso e aos copos vazios após a ressaca de experimentar amores cheios.

Um comentário:

Anônimo disse...

Na boa, se encontrar alguém assim manda para o psicólogo.